Ciclo redescobre Alexander Kluge

São Paulo, quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Mostra no CCBB-SP exibe cinco curtas e 14 longas dirigidos pelo cineasta alemão entre 1966 e 1986

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O chamado "novo cinema alemão", configurado desde o início dos anos 60 a partir da teoria e da prática de um grupo de jovens cineastas, cristalizou sua imagem e difusão internacional ao longo da década seguinte na trindade constituída pelas trajetórias de Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders.
A maior visibilidade desses grandes nomes acabou por eclipsar em parte as obras de outros tão ou mais importantes, como Hans Jürgen Syberberg e Alexander Kluge, cineastas mais formalistas e mais difíceis que ficaram restritos a circuitos fechados. Invisíveis no Brasil nas últimas décadas, os filmes de Kluge ganham, de hoje até 7 de outubro, uma importante retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil.
A mostra, com excelente curadoria de Jane de Almeida, reúne todos os 14 longas dirigidos por Kluge entre 1966 e 1986, além do filme coletivo "Alemanha no Outono". Se já não fosse o suficiente oferecer esse conjunto, o ciclo exibe também cinco curtas-metragens da fase que antecede os longas e 12 títulos da produtora de TV DCTP, fundada por Kluge em 1998, na qual propõe formatos de altíssima qualidade.

Livro
Dá acabamento à empreitada o lançamento do livro "Alexander Kluge: O Quinto Ato" (Cosac Naify, org. Jane de Almeida, R$ 34), com textos do próprio diretor e de Arlindo Machado, Mirian Hansen e Rainer Stollmann, que examinam as complexidades das várias facetas da obra do artista. Vistos hoje, os filmes de Kluge parecem objetos visuais não identificáveis. Apesar de terem sido feitos em película e aparentemente conterem narrativas ficcionais, seus trabalhos são mais bem apreendidos se vistos como ensaios.
Como na obra de Godard, seu modelo cinematográfico, segundo ele, imagens e textos se sobrepõem sob efeito de fusões e colagens e apagam-se as distinções estreitas entre ficcional e documental, cujo efeito é levar o espectador a uma reflexão conduzida pela heterogeneidade dos materiais e pela apresentação despadronizada.
Desde seu primeiro curta, o assombroso "Brutalidade em Pedra", de 1960, impunha-se uma estratégia de cunho assumidamente político e crítico. Nele, Kluge filma as ruínas do Congresso do Partido Nacional Socialista, imensas construções de aparência monolítica erigidas pelo nazismo em seu esforço de demonstração de superioridade, enquanto o som sobrepõe fragmentos de discursos nazistas. Esse tipo de procedimento predomina em toda a obra, culminando nas fusões que intensificam a beleza de "O Poder dos Sentimentos".
Nos longas, o ilusionismo da representação é todo o tempo abalado pela entrada da voz neutralizante de Kluge como narrador, numa clara incorporação de estratégia antinaturalista brechtiana. Desde "Despedida de Ontem", predominam nos longas a não-linearidade nos relatos, a fragmentação e a descontinuidade na imagem e no som, efeitos de aceleração e a introdução de materiais estranhos como citações em letreiros.
Por meio da inventividade formal, Kluge traça uma reflexão focada no indivíduo perante as variadas instâncias de poder. A política, os saberes, a sociedade civil, o casamento ou os sentimentos, não importa qual seja, todos somos sujeitos e objetos deles. E seu cinema expõe como funciona essa lógica.


MOSTRA ALEXANDER KLUGE
Quando:
de hoje a 7/10
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Centro, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651)